“Era uma vez um arquipélago em mar bonito e largo soprado de ventos suaves e de atmosfera sempre limpa. Nunca se vira nele um tufão.
Naquele mar, sempre a tranquilidade. Na alma de cada ilha, e entre as ilhas, a paz não existia. Ao contrário, eram vaidosas e estavam sempre competindo.
Dizia uma:
- É nas minhas águas que os pescadores acham as pérolas mais valiosos para enfeitar o colo das princesas.
A outra retrucava:
- Esqueces que é nas minhas praias que os poetas do reino, enamorados, compõem os mais belos cânticos. Fazem canções que amenizam os sofrimentos do povo pobre e também dão encanto aos sonhos de amor das princesas.
Uma terceira interferia:
- Onde é que os pescador acham alimento? É nas minhas águas que apanham peixes, tartarugas, camarões... É de mim que retiram o sustento dos filhos. O que sobra vão vender no mercado.
Passaram-se, dias, meses, anos, séculos... Sempre a paz no mar. Sempre a rixa no arquipélago.
Numa tarde, de repente, uma das ilhas começou a sacudir-se e, em poucos minutos, agitada em agonia vulcânica. Desfazendo-se ruidosamente, desapareceu sob as águas.
Enquanto isso, as outras, ainda estupidamente rivais, embora aparentando compaixão, para si mesma diziam:
- Antes ela do que eu.
Demorou um pouco. Também foram atingidas pela comoção da plataforma, foram igualmente tragadas pelo fogo e pelo mar.
De si mesma e das outras, cada ilhazinha conhecia apenas o que ficava acima da água. Ignoravam que, no fundo, eram uma só. Ignorantes, não percebiam que o mal ou o bem não atingiria uma sem atingir as outras. Por isso eram orgulhosas, estúpidas e rivais.
Cada homem é uma ilhazinha ignorante no arquipélago da humanidade.”
(Hermógenes – Mergulho na paz, pg. 153/4)
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